domingo, 11 de maio de 2008

Filme - "O Sol" (Aleksandr Sokurov, Rússia, 2005)



Não deixo de assistir um filme por causa de críticas negativas, e muitas vezes, isso me deixa mais curioso para assisti-lo. (A unanimidade, muitas vezes, é chata.)
No caso desse filme, a crítica era principalmente pelo ritmo lento e monótono; porém, de que outro jeito poderia ser mostrada a rotina de um imperador japonês em meados da década de 40, sendo um povo que já normalmente é muito voltado a rígidas cerimônias para a maioria das coisas.
Naquele tempo o imperador ainda era visto como uma divindade, que descendia de uma linhagem de deuses, tanto é que esse é um motivo para os kamikazes se encaminharem sorrindo para a morte, pois acreditavam estarem servindo a um deus. Estando nessa condição, sendo servido até nos mínimos detalhes, como se vestir, abrir uma porta, nada mais normal que ele seja uma pessoa bastante alienada, como é observado pelo oficial americano em um determinado momento do filme: "parece uma criança".
Enquanto o seu país era quase que totalmente destruído pela guerra, ele mantém sua rígida liturgia cerimoniosa para quase tudo que faz, e ainda, continua os seus estudos de biologia marinha que são sua paixão, como se nada estivesse acontecendo. Não conhecendo a realidade ao seu redor, ele pede para que suas tropas continuem lutando. Porém, quando é chamado por um oficial do exército norte-americano, e toma conhecimento da destruição em seu país, ele se conscientiza que precisa fazer algo por seu povo, mesmo que isso inclua admitir a perda de sua condição divina.
Aliás, desde o começo do filme ele se sente tentado a fazer isso, sempre questionando os seus criados que argumentam que ele é um deus, que vem acompanhado da resposta, eu sou de carne e osso igual a você, onde está o que me caracteriza ser um deus.
O filme mostra um momento muito importante da história japonesa, e por conseguinte, da história mundial: o imperador deixa de ser deus. Pelo que deu a entender, esse oficial do exército norte-americano, depois de algumas conversas, que estão entre as melhores cenas do filme, simpatiza com o imperador e pede para que o presidente norte-americano não o transforme em criminoso de guerra.
Li em algum lugar que esse filme faz parte de uma tetralogia sobre ditadores: "Moloch", sobre o Hitler, "Taurus" sobre o Lenin, e tem mais um sobre o Stalin que eu não sei o nome. Dizem que o cineasta tentou humanizar estes ditadores, mas dentre estes imagino que o que tem menos o perfil de ditador é o imperador japonês. Foi preciso ter uma grande dose de humildade, coragem e visão para renunciar à sua condição divina, que foi provavelmente a decisão mais importante e acertada de sua vida. Conhecido pelo seu grande senso de orgulho, o Japão pôde assim se render, e assim acabar com a guerra que estava acabando com seu país. Se não fosse esta decisão, as condições do Japão poderiam ser muito diferentes hoje em dia. E por ser o imperador que governou o Japão durante o período em que o país não só se recuperou da Segunda Guerra Mundial, como também se transformou em uma das maiores potências, somos levados a acreditar que fez um ótimo reinado (embora eu não saiba o quanto o reinado de um imperador influa no desenvolvimento de um país).
Um exemplo do orgulho japonês é a seita nipo-brasileira Shindo-Remei, que se algum brasileiro descendente de japones dissesse que o Japão tivesse perdido a guerra, eles colocavam um aviso em madeira na porta da casa da pessoa dizendo que no dia seguinte ela seria morta, e o que eles sempre cumpriam.
Algo que ainda não entendi muito bem na História Mundial é o motivo da aliança entre japoneses e alemães. Com a crença de Hitler que os arianos, a raça branca de olhos azuis, eram a raça pura, e que todo o resto deveria ser exterminado, depois deles dominarem os judeus e a Europa, eles iriam exterminar os japoneses por serem amarelos?
A "lentidão", ao meu ver, muitas vezes é uma boa qualidade de um filme, para termos tempo de apreciarmos, e foi isso que aconteceu com este filme.
Algo que deve ser muito presente na vida de imperadores é a pressão e a solidão. O alívio que o ator consegue transmitir após o imperador renunciar à sua condição divina é marcante, inclusive com o abraço tímido e emocionado em sua esposa.
Em relação à trilha sonora, à previsibilidade de se utilizar peças eruditas, unem-se também os incômodos ruídos em uma longa cena monótona em que ele folheia o seu álbum de família e também o álbum de atores norte-americanos, como se fosse uma ótima peça de noise minimalista torturante.
Nota: 8

Trilha-sonora do post: artista: OOIOO, disco: kila kila kila, Japão, 2004, projeto solo de uma integrante do Boredoms

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