quinta-feira, 22 de maio de 2008

A Memória

"recordar é viver"
(ditado popular)

"ao lado do cipreste branco
à esquerda da entrada do inferno
está a fonte do esquecimento
vou mais além, não bebo dessa água
chego ao lago da memória
que tem água pura e fresca
e digo aos guardiões da entrada
'sou filho da Terra e do Céu' "
("A Fonte" - Legião Urbana)

"voltei, pra rever os amigos que um dia, eu deixei a chorar de alegria, me acompanha o meu violão"
(Nelson Gonçalves em "A Volta do Boêmio")

"eu cheguei em frente ao portão, meu cachorro me sorriu latindo"
(Roberto e Erasmo em "O Portão")

"os anos se passaram enquanto eu dormia,
e que eu queria bem me esquecia"
(Arnaldo Antunes em "Eu não vou me adaptar")

A emoção e a euforia são grandes. Depois de tanto tempo sem escrever coisas mais pessoais estou de volta. São tantas coisas ao mesmo tempo, muitas delas querendo ser a abertura do texto; algumas querendo estar mais pro meio ou serem a conclusão. Depois de tanto tempo aprisionadas na mente, eles querem sair de qualquer jeito, e estão querendo sair de um jeito meio desordenado, lembrando até um vômito ou uma diarréia. Esperma não, o esperma vai em linha reta, ele sabe onde quer chegar.
As palavras num livro podem fazer todo o sentido do mundo para você, mas quando você está cansado o que se vê são apenas um monte de letras, apenas caracteres pretos em uma folha branca, apenas pixels pretos na tela branca (ou outra combinação de cores, dependendo da configuração usada). Os orientais não se ligam tanto nas palavras, sabem que os ocidentais superestimam o poder concedido a elas.
Quanto ao lance de todas as coisas querem sair ao mesmo tempo eu lembro da sensação de um dia de folga ensolarado, você lembra do conselho daquele filme, "A Sociedade dos Poetas Mortos": "Carpe Diem" (aproveite o dia), e quer fazer tudo ao mesmo tempo agora. Talvez isso seja melhor do que você deixar os dias se passarem iguais e cinzas, mas essa vontade de abraçar o mundo, muitas vezes gera uma angústia paralisante que não te deixa fazer nada.
Tenho 28 anos, até que aproveitei estes 28 anos, mas imagino que não tão bem como deveria ter feito, mas a vida não vem com manual de instruções. Duas das coisas mais importantes da sua vida são uma grande certeza e uma grande dúvida: você sabe que vai morrer, só não sabe quando (o "como" não é tão importante quanto o "quando"). Por isso se eu viver até os 90, o tempo vivido até agora corresponde aproximadamente a um terço da minha vida já vivido, se for até 60, esse tempo vivido até agora corresponde à metade, e esta segunda eu tenho que aproveitar melhor que a primeira (que também não foi tão ruim assim).
Para quase a totalidade das pessoas a resposta da pergunta "quem criou tudo isso" é Deus. Só que desde criança eu me pergunto "e quem criou Deus?". As pessoas se perguntam o que irá acontecer depois da morte, mas imagino que sejam poucas que se perguntem o que aconteceu antes delas nascerem. A sensação que temos do que houve antes de nascermos é apenas um imenso, escuro e silencioso vazio. Será que teremos esta mesma sensação depois de morrermos?
Pensei que lendo filosofia fosse encontrar respostas sérias para as mesmas questões que o esoterismo tenta responder de forma fantasiosa e alegórica (isso inclui a maioria das religiões), mas a filosofia quase sempre se limita a questionar.
Quando precisamos saber a resposta da principal pergunta que temos em nossa vida, esbarramos em um muro em que não conseguimos nem ver onde termina a sua altura. Essa pergunta é: por qual causa, motivo, razão ou circunstância estamos vivos neste momento. Imagino que talvez Hieráclito seja o que chegou mais perto de responder essa pergunta: quando foram chamá-lo para opinar sobre os assuntos da república, ele estava olhando crianças brincar, e ele disse que o jogo das crianças era mais importante que os jogos dos adultos; talvez com base nessa experiência ele diria que o universo não passa de um jogo de Deus. Aristóteles que tentou polarizar tudo que existe no mundo em bom e mal; mas para Hieráclito as noções de bom e mal foram criadas pelo próprio homem, pois se Deus criou tudo, é porque achou que tudo era bom. E nada mais normal que Aristóteles criticasse duramente, chamando Hieráclito de inconseqüente. Como a grande maioria da população viveria sem estes dois conceitos?
Imagino que as idéias de Hieráclito se aproximem das idéias dos anarquistas e dos agnósticos.
Segundo a Wikipedia, "o agnosticismo separa aqueles que acreditam que a razão não pode penetrar o reino do sobrenatural daqueles que defendem a capacidade da razão de afirmar ou negar a veracidade da crença teística".
Somos como peixes a quem nos foi concedido saber que estamos dentro de um aquário, mas será que existe alguma forma de sairmos do aquário? Será que algum dia sairemos?

técnica da escrita automática

não funciona quando você está com sono e/ou cansado (aliás não teria utilidade)... so much...

"My World Is Empty Without You, Baby" (Diamanda Galas)

Baby, você se foi, e se você soubesse o tamanho da falta que você faz, o tamanho do espaço do meu coração que ficou deserto após você desaparecer. Será que você vai saber o quanto penso em você com o meu coração.

Geração Beat (Kerouac) / Hollywood (Charles Bukowski)

Dois livros e dois autores que escrevem sobre temas considerados fúteis: corridas de cavalos, bebidas, conversas banais. Só que como dizem que bebida em excesso embota o pensamento, parece que foi o que aconteceu com Bukowski, esse livro "Hollywood" é bastante árido de idéias, apesar do tema central do livro ser interessante: os percalços para fazer com que o seu roteiro seja transformado em filme.

Niilismo

O niilismo é tão insípido quanto água, e lembra dor de estômago e fígado.

Fela Kuti

Funk africano nervoso! (Funk dos anos 70)

Preciso voltar a fazer música, estou ficando louco. Mas como sempre esbarramos nas dificuldades desse nosso mundo: as responsabilidades e impossibilidades dos outros integrantes, as politicagens dos contatos para conseguirmos um lugar ao sul no mundo do show business.

Morar perto de um cemitério é útil para lembrarmos a nós mesmos que não devemos desperdiçar nossos dias.

Até gostaria de escrever mais, mas agora estou cansado, e além disso estou com sono.

"você desliga se eu ficar muito abstrato"
(engenheiros do hawaii)

... solo de bateria e percussão de 16 minutos do Fela Kuti. (Fela Kuti & Africa 70 - "Ginger Baker and Tony Allen Drum Solo")

ps: logo volto a escrever sobre brega no blog

domingo, 18 de maio de 2008

"O Assassinato de Jesse James pelo covarde Robert Ford", EUA, Andrew Dominik, 2007






Uma das críticas negativas que mais me deixaram interessado em assistir esse filme foi uma que disse que estava sendo criado um monstro: o western de arte. Trata-se de um filme longo e lento, um faroeste de quase três horas de duração com pouquíssima ação. Então, como pode ser bom? Simples: trata-se de quase que pura contemplação. A fotografia é belíssima, alguém escreveu dizendo que o diretor de fotografia trata-se praticamente do terceiro personagem principal, junto com o Jesse James e com o Robert Ford. Nada mais correto. Em muitas cena ele procurou uma fotografia de encher os olhos: além de belas paisagens, a harmonia também é notável, uma hora é Jesse James todo de negro em seu cavalo preto subindo em um monte cheio de neve, outra é o campo cheio de trigo florescente em contraste com o céu todo azul, a roupa dos personagens em harmonia com tudo isto; em todo filme nota-se um capricho exemplar. Une-se a isso a contemplação de uma análise psicológica de um complicado personagem: o mais famoso bandido norte-americano no seu dia-a-dia. Como mostra o filme, durante muito tempo ele foi tido praticamente como um ídolo. E o seu coadjuvante, que já pelo nome do filme sabemos que irá assassiná-lo, tinha Jesse James como seu maior ídolo. Curiosamente o assassino de John Lennon também o tinha como seu maior ídolo. O que leva alguém matar a quem idolatra? Decepção? A decepção, quando se trata de ídolos, é quase certa. Coloca-se o ídolo num altar como alguém perfeito, mas ele é humano como todos nós. Como se faz essa mudança de sentimentos? Esse filme mostra isso de uma forma bastante interessante.
E, além disso, quem não tem curiosidade de ver um ídolo ou mesmo alguém muito famoso em sua intimidade. O filme mostra a intimidade do maior bandido dos Estados Unidos na época do velho oeste como alguém muito família, com mulher e dois filhos. E paradoxalmente, é alguém que assalta e mata, muitas vezes sem ter tanto motivo.
Li também que o filme mostra o fascínio que temos com os famosos, o que leva a revista Caras ser tão vendida. Robert Ford não coleciona revistas Caras, mas todos os livros de bang-bang com as histórias de Jesse James.
Além do assassino do John Lennon, outro personagem que me veio à mente, e que pode definir bem Robert Ford é Judas Iscariotes. Assista o filme e você vai entender.
Atores que são galãs costumam sofrer muito preconceito, e precisam atuar melhores do que não-galãs para não sofrerem tantas críticas. Por isso, demorei para assistir "Clube da Luta", primeiro porque pelo nome parece filme do Van Damme, e segundo porque um dos personagens principais era feito pelo Brad Pitt. Assisti por insistência de um amigo meu, e os dois preconceitos caíram: o filme e a história são muito bons, e o Brad Pitt atuou bem; além do fato de ter sido produtor de um projeto tão interessante quanto este.
Pois então, Brad Pitt no papel de Jesse James está excelente, conseguiu captar muito bem as nuances psicológicas e o seu comportamento, quase sempre contido, mas certeiro em suas explosões. Recebeu merecidamente o prêmio de melhor ator, não sei em qual competição.
Foi uma pena o filme ter sido alvo de muitas críticas negativas nos jornais e revistas de São Paulo, e ter ficado pouco tempo em cartaz, pois na TV perde-se muito do impacto de sua belíssima fotografia (outro filme recente que também tem ótima fotografia e também trata-se de uma espécie de renovação do faroeste é "Sangue Negro", outro ponto em comum com este é que ambos tem uma ótima análise psicológica).
A trilha sonora, assinada por Nick Cave, é bela, com uma espécie de folk minimalista, lenta e contemplativa como o filme, aliás Nick Cave faz uma ponta no filme como um cantor folk que canta em um bar uma música em homenagem a Jesse James.
Quanto ao filme ser longo, em alguns poucos momentos achei cansativo, mas o fato de ser longo, considero isto uma qualidade, ser lento e contemplativo hoje em dia é algo meio subversivo, e ainda mais se tratando de um filme norte-americano.
Uma das poucas coisas que eu não gostei tanto foi a cena do assassinato, não há muita preparação para o fato, mas por outro lado o jeito que o tiro é filmado é bem legal.
Os fãs de faroeste tradicional provavelmente não irão gostar. Não há muitos tiros, e sim mais uma reflexão melancólica de Jesse James sobre este seu passado.

Nota: 9

Trilha sonora do post: "Defixiones, Will and Testament", Diamanda Galas, EUA, 2004

Requiém Para um Sonho - Darren Aronofsky, EUA, 2000



É impressionante como Darren Aronofsky, estando em apenas seu segundo filme, já fez dois grandes filmes. E mais, o primeiro, "Pi", é uma obra-prima.

Já escrevi anteriormente sobre "Pi", um filme excelente, com uma perfeição estética e climática impressionantes, com a ótima idéia de fazê-lo em preto-e-branco, aumentando assim a sua sensação claustrofóbica.

Assim como "Pi", o "Requiém para um Sonho" também mostra viagens psicodélicas causadas pelo uso de drogas, e isso consiste numa das maiores qualidades de ambos os filmes. Porém, o que o "Pi" tem de singularidade e genialidade estética, o "Requiém para um Sonho" fica apenas no bom.

O filme é colorido, e lembra a estética de filmes dos anos 80, só que não é um "pesadelo" como o Pi.

A história é mais ou menos o seguinte: um filho, junto com a namorada e um amigo, se viciam em heroína e planejam ganhar muito dinheiro adulterando a droga; a mãe é viciada, mas não em drogas, e sim em televisão, e posteriormente em anfetaminas, para conseguir emagrecer para vestir o seu vestido preferido, depois que lhe telefonam dizendo que ela foi escolhida para participar do seu programa preferido, que ela fica diuturnamente assistindo.

A trajetória do filme é de uma espiral descendente, onde o começo é bem-humorado até engraçado, e cada vez as coisas vão ficando piores para cada um dos personagens.

Logo no começo se vê o ridículo da situação do filho que vende a televisão da mãe para comprar droga, ela vai lá e compra de novo, depois ele vai lá e vende de novo.

O filme mostra as viagens, tanto do filho, da namorada e do amigo, quanto da mãe, e as viagens da mãe, causadas pela anfetamina são as melhores: rosquinhas voando do teto de seu quarto, a geladeira que se mexe, e o seu delírio mais forte, e que é, para mim, a cena mais genial do filme: ela está tão alucinada pelas anfetaminas que perde totalmente o senso do que é real e do que é imaginação, e ela imagina que o programa de tv está se passando na sua própria sala de estar.

Você não acredita que as coisas vão ficar tão ruins para os personagens, mas conforme o filme se aproxima do final, é só desgraça.

Talvez a maior sacada do filme seja mostrar que não é apenas o vício das drogas é destrutivo, mas outros como TV são igualmente destrutivos. Por exemplo, quem é viciado em internet gasta muito tempo de sua vida, deixando de fazer e de viver coisas importantes. O filme me fez parar pra pensar quanto tempo da minha vida eu já desperdicei na internet. Nesse ponto, não consegui deixar de me lembrar e de fazer um paralelo com outro filme, que à primeira vista não tem nada a ver com esse, "A Sociedade dos Poetas Mortos". Para mim, a lição mais importante desse filme é aquela frase em latim que o professor ensina aos alunos: "Carpe Diem" (aproveite o dia).

Só é uma pena que este filme não seja esteticamente tão genial e inesquecível quanto "Pi".

Nota: 8

À Flor da Pele - Wong Kar Wai, Hong Kong/França, 2000



Mais um filme oriental cujo motivo costuma ser o mesmo tanto para as críticas positivas quanto negativas: a grande ênfase na fotografia, muito bela. Além disso, alguns críticos acusam de ser um diretor frio ao filmar o amor. Não acho, pode ser contido, mas não frio.

Por eu já ter visto "2046", do mesmo cineasta, as comparações são inevitáveis. Vários elementos são comuns aos dois filmes, mas o "2046" tem fotografia ainda mais bonita, e tem idéias mais ousadas, sendo retrô e futurista ao mesmo tempo, a ação se passa tanto na década de 60 quanto no ano de 2046, há um misterioso trem que leva as pessoas até este ano.

Pois então, tirando estas ousadias de "2046" que são geniais, tem muitas semelhanças com "À Flor da Pele": o tema dos amores desencontrados, o refinamento e a beleza da fotografia, que fazem uma combinação perfeita com músicas que são escolhas certeiras, na maioria boleros cantados em espanhol.

O final é triste e belo. Quem nunca teve uma grande frustração amorosa?

Nota: 8

Fôlego (Kim Ki Duk, Coréia do Sul, 2007)



A cada dia que passa eu fico mais fã do cinema oriental, especialmente do cinema coreano, bastante dinâmico e criativo. Os orientais dão bastante ênfase ao visual, à fotografia, que muitas vezes é estonteante; e também não dão tanta ênfase às palavras, só falam praticamente o estritamente necessário. Um exemplo disso são os discos da Yoko Ono e de criativas bandas japonesas da atualidade como Melt Banana e Boredoms, onde muitas vezes gritos com sons sem sentido ou palavras esparsas são bastante frequentes, em contraponto à maioria das letras de bandas ocidentais, que procuram concatenar idéias muitas vezes complexas em frases.

Li uma crítica negativa, que dizia que o filme era monótono e inferior em fotografia comparado aos outros do mesmo cineasta. Não assisti aos outros filmes dele, mas não achei monótono e achei a fotografia bem criativa, principalmente nas cenas em que ela forra a fria e cinza sala de visitas da penitenciária com lindos e coloridos papéis de parede, cada um representando uma estação do ano (pra mim, essa foi a idéia mais criativa do filme, e a lembrança que eu levarei do filme).

A história é a seguinte: uma mulher que está com o casamento indo mal, seu marido a traindo, se apaixona por um presidiário condenado à pena de morte, que já tentou o suicídio algumas vezes.

Ela começa a fazer visitas para ele, e em cada visita, enche a sala de visitas da cadeia com papéis de parede muito coloridos cada um representando uma estação do ano. É interessante o fato de que um dos responsáveis da cadeia fica como voyeur assistindo o casal, e geralmente quando o negócio começa a esquentar ele toca o alarme para o casal parar, ele fica mais ou menos como o diretor do romance como se fosse o filme, ele decidindo o que vai acontecer em cada visita, cada visita ficando mais forte.

O mais impressionante e o que mais faz pensar no filme é a reação do marido traído ao ver os dois se beijando na sala toda colorida.

O filme não é excepcional, mas é bom. Nota: 7

Trilha sonora do post: Diamanda Galas - You must be certain of the devil - EUA - 1989

domingo, 11 de maio de 2008

Filme - "O Sol" (Aleksandr Sokurov, Rússia, 2005)



Não deixo de assistir um filme por causa de críticas negativas, e muitas vezes, isso me deixa mais curioso para assisti-lo. (A unanimidade, muitas vezes, é chata.)
No caso desse filme, a crítica era principalmente pelo ritmo lento e monótono; porém, de que outro jeito poderia ser mostrada a rotina de um imperador japonês em meados da década de 40, sendo um povo que já normalmente é muito voltado a rígidas cerimônias para a maioria das coisas.
Naquele tempo o imperador ainda era visto como uma divindade, que descendia de uma linhagem de deuses, tanto é que esse é um motivo para os kamikazes se encaminharem sorrindo para a morte, pois acreditavam estarem servindo a um deus. Estando nessa condição, sendo servido até nos mínimos detalhes, como se vestir, abrir uma porta, nada mais normal que ele seja uma pessoa bastante alienada, como é observado pelo oficial americano em um determinado momento do filme: "parece uma criança".
Enquanto o seu país era quase que totalmente destruído pela guerra, ele mantém sua rígida liturgia cerimoniosa para quase tudo que faz, e ainda, continua os seus estudos de biologia marinha que são sua paixão, como se nada estivesse acontecendo. Não conhecendo a realidade ao seu redor, ele pede para que suas tropas continuem lutando. Porém, quando é chamado por um oficial do exército norte-americano, e toma conhecimento da destruição em seu país, ele se conscientiza que precisa fazer algo por seu povo, mesmo que isso inclua admitir a perda de sua condição divina.
Aliás, desde o começo do filme ele se sente tentado a fazer isso, sempre questionando os seus criados que argumentam que ele é um deus, que vem acompanhado da resposta, eu sou de carne e osso igual a você, onde está o que me caracteriza ser um deus.
O filme mostra um momento muito importante da história japonesa, e por conseguinte, da história mundial: o imperador deixa de ser deus. Pelo que deu a entender, esse oficial do exército norte-americano, depois de algumas conversas, que estão entre as melhores cenas do filme, simpatiza com o imperador e pede para que o presidente norte-americano não o transforme em criminoso de guerra.
Li em algum lugar que esse filme faz parte de uma tetralogia sobre ditadores: "Moloch", sobre o Hitler, "Taurus" sobre o Lenin, e tem mais um sobre o Stalin que eu não sei o nome. Dizem que o cineasta tentou humanizar estes ditadores, mas dentre estes imagino que o que tem menos o perfil de ditador é o imperador japonês. Foi preciso ter uma grande dose de humildade, coragem e visão para renunciar à sua condição divina, que foi provavelmente a decisão mais importante e acertada de sua vida. Conhecido pelo seu grande senso de orgulho, o Japão pôde assim se render, e assim acabar com a guerra que estava acabando com seu país. Se não fosse esta decisão, as condições do Japão poderiam ser muito diferentes hoje em dia. E por ser o imperador que governou o Japão durante o período em que o país não só se recuperou da Segunda Guerra Mundial, como também se transformou em uma das maiores potências, somos levados a acreditar que fez um ótimo reinado (embora eu não saiba o quanto o reinado de um imperador influa no desenvolvimento de um país).
Um exemplo do orgulho japonês é a seita nipo-brasileira Shindo-Remei, que se algum brasileiro descendente de japones dissesse que o Japão tivesse perdido a guerra, eles colocavam um aviso em madeira na porta da casa da pessoa dizendo que no dia seguinte ela seria morta, e o que eles sempre cumpriam.
Algo que ainda não entendi muito bem na História Mundial é o motivo da aliança entre japoneses e alemães. Com a crença de Hitler que os arianos, a raça branca de olhos azuis, eram a raça pura, e que todo o resto deveria ser exterminado, depois deles dominarem os judeus e a Europa, eles iriam exterminar os japoneses por serem amarelos?
A "lentidão", ao meu ver, muitas vezes é uma boa qualidade de um filme, para termos tempo de apreciarmos, e foi isso que aconteceu com este filme.
Algo que deve ser muito presente na vida de imperadores é a pressão e a solidão. O alívio que o ator consegue transmitir após o imperador renunciar à sua condição divina é marcante, inclusive com o abraço tímido e emocionado em sua esposa.
Em relação à trilha sonora, à previsibilidade de se utilizar peças eruditas, unem-se também os incômodos ruídos em uma longa cena monótona em que ele folheia o seu álbum de família e também o álbum de atores norte-americanos, como se fosse uma ótima peça de noise minimalista torturante.
Nota: 8

Trilha-sonora do post: artista: OOIOO, disco: kila kila kila, Japão, 2004, projeto solo de uma integrante do Boredoms