segunda-feira, 30 de abril de 2007

Guia rápido sobre o cinema nacional

Guia rápido sobre o Cinema Nacional

Um panorama parcial e incompleto sobre alguns filmes recentes do cinema nacional.

O Bicho de Sete Cabeças
Foi um dos primeiros filmes brasileiros dessa nova safra que eu fui assistir. Imagino que deva ter sido um dos primeiros papéis sérios de Rodrigo Santoro, que até então tinha feito mais eram papéis de novelas, e as pessoas viam com um certo preconceito ele atuar em filme para cinema, imaginavam que fosse um filme bobinho. Mas ele está ótimo, assim como o filme também é muito bom. Fala de um tema barra-pesada, aqueles manicômios que davam sedativos tarja preta e choques na cabeça dos pacientes. É baseado numa história real, em que o pai, ao ver um baseado na mochila do filho, acha que tem que mandar ele para um hospício. A mãe fica com dó, mas o pai, durão, acha que é a melhor saída. O autor aproveitou para denunciar a podridão desses manicômios, que não sei se ainda existem desse tipo no Brasil. A trilha sonora, com músicas da safra mais experimental de Arnaldo Antunes, ajuda bastante. Foi um dos filmes brasileiros mais fortes que eu já vi, com cenas como um cara tomando choque elétrico na cabeça, e o estado em que ficou um cara depois de levar tanto choque... Saí meio desorientado do cinema. Filmão! Nota: 9

O Auto da Compadecida
Ótimo filme nacional de humor, acima da média inclusive dos filmes de comédia norte-americanos, com um ritmo ágil. Os dois atores principais, Selton Mello e Mateus Nachtergalle, (um problema do cinema nacional é quase sempre chamarem os dois... tá certo que eles são muito bons, mas tem uma hora que enjoa), fazem uma dupla impagável e inesquecível, os dois são muito malandros e espertos, arrumando saídas criativas e divertidas para os problemas que eles arranjam, como por exemplo, uma cena em que Lampião e um capanga estão ameaçando os dois de morte, o Nachtergalle, diz que tem uma espingarda milagrosa, que a pessoa que levar um tiro dela vai conversar com Padre Cícero meia hora e depois volta à vida; Lampião, muito esperto, quer experimentar essa maravilha e pede pro seu capanga atirar nele. Nem precisa dizer que o idiota do Lampião acaba morrendo nessa besteira. Muito recomendado! Nota: 9

Cidade de Deus
É um bom filme, com um dos maiores personagens do cinema brasileiro de todos os tempos: Zé Pequeno. Ele está sensacional, um autêntico sangue ruim, e com todo estilo de um criminoso à moda dos filmes do Tarantino, só que em versão brasileira. O seu bordão "Dadinho o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno", sem dúvida virou uma frase clássica do cinema brasileiro. Tem cenas engraçadas e clássicas, como um baile black, com um monte de gente de roupa branca fazendo os mesmos passinhos dançando ao som do Tim Maia. Uma das partes mais engraçadas é o medo que um fotógrafo tem quando suas fotos do pessoal do Zé Pequeno acabam saindo na primeira página por mão de uma jornalista esperta que vê as fotos dando sopa. O fotógrafo pensa que vai morrer quando chegar no seu bairro, mas Zé Pequeno, quando vê ele e sua gangue na primeira página, fica todo orgulhoso, feliz e cheio de marra: "Olha só! Agora a gente é importante!". Porém, algo que me incomodou no filme foi a estética, meio americanizada. Mas enfim, o filme tem grandes qualidades, como o final, inesperado e bem sacado. Nota: 8,5

Amarelo Manga
Pra mim, esse tinha quase tudo pra ser um grande filme, só que, apesar dos ótimos personagens e situações, o Cláudio Assis não desenvolveu as idéias tão bem. Quando o filme acaba você fica pensando "pô, eu pensava que estava na metade do filme". Alguns exemplos: Jonas Bloch como um cara que tem como hobby comprar da polícia corpos de bandidos recém mortos para ficar atirando neles; Mateus Nachtergalle como uma bichinha muito afetadad que trabalha de faxineiro num hotel mulambento, com shortinho curto e que gosta de um tal de Canibal, um açougueiro que vai entregar carne lá no hotel, e que fica puto da vida com a bichinha dando em cima dele (aliás, tem uma cena que mostra um abate no matadouro); uma evangélica muito fiel que decide virar uma vagabunda depois que descobre que o seu marido a trai. A trilha sonora, as paisagens suburbanas de Pernambuco, e não aqueles cartões postais que se costuma mostrar, contam pontos a favor também. O grande problema mesmo foi não aprofundar mais as situações; ficou meio broxante. Nota: 7,0

Carandiru
Cláudio Assis saiu xingando todo mundo quando não premiaram "Amarelo Manga" e premiaram "Carandiru". Tá certo que "Carandiru" é uma porcaria, mas "Amarelo Manga" não é nenhuma obra-prima. Eu assisti "Carandiru" duas vezes, e na segunda eu gostei bem menos que na primeira, e olha que eu já não tinha gostado muito. O pessoal de direita (acho que todo mundo tem pelo menos alguns amigos que deram esse argumento) aponta que o filme é tendencioso, e só mostrou o ponto de vista dos bandidos. Claro, um filme é quase sempre, ou talvez sempre, tendencioso. Só que, realmente, não precisava ser tanto. Poderia ficar mais no lance de mostrar uma foto da situação, mas eles querem mostrar os personagens das histórias que estão no livro todos como "tutti bona gente" (num italiano tosco, tudo gente boa); numa romantização pior que as novelas da Rede Globo; o cara é ladrão e assassino, mas colocam o personagem como um cara simpático. Outra coisa horrível é o ator que faz o papel do Dráuzio Varela. Primeiro que o cara tem cabelo (imagina! o Dráuzio Varela com cabelo!), outra que o cara só fica sorrindo, e todo mundo sabe o estilo do Dráuzio Varela, um cara que, longe de ser antipático, chama a atenção pelo seu jeito seco de ser; e outra, que o cara fala manso, outra coisa que não tem nada a ver com o mencionado médico. Claro que o filme tem algumas qualidades, como as cenas do negão que tem duas mulheres, uma loira bonita e madame e uma negra bagaceira e prostituta, em que ele está com a mulher bagaceira num motel de quinta, com espelhos quebrados e tudo; e também o casamento do Rodrigo Santoro, como traveco, com aquele ator baixinho, com cara de nordestino, mas que eu não lembro o nome; e a cena do massacre reflete bem como deve ter sido horrível aquele episódio. Nota: 2

Árido Movie
Lembra o "Amarelo Manga" na estética, só que se aprofundando mais nas situações, tem cenas antológicas, como a que os três personagens principais, entram num botecão de beira de estrada, começa a tocar "Czardas" dos Íncriveis (excelente música de surf music, das melhores já feitas, bem acima da média), e um globo com umas luzes azuis bem cafonas fica fazendo um clima e os três, um por vez, sobem no palco e ficam viajando com aquela música sensacional. Esse lance de saber que uma cena é foda, e se demorar nela, só pelo prazer estético e contemplativo, mesmo que não tenha importância para a trama, faz muita diferença. Nota: 7,5

Cama de Gato
Achei exagero quando li que esse filme era uma versão brasileira e atualizada do clássico "Laranja Mecânica" do Stanley Kubrick. Pior que não é. Troque aquele clima retrô-futurista meio alienígena por moleques adolescentes de classe média de São Paulo. A violência é a mesma. Troque aquele clima meio pomposo e meio Beethoven por câmera digital e minimalismo incômodo (uma grande parte do filme se passa num lixão de verdade). A essência permanece. Personagens que estão bem próximos de nós: três de adolescentes, de classe média alta, que só pensam em se divertir a qualquer custo, e isso inclui bebidas, drogas, desrespeitar os outros, zoar com todo mundo, descarregar um extintor em um menino de rua que vem pedir um trocado. Como no clássico do Kubrick, o filme tem duas partes bem distintas: a violência e a suas conseqüências. E assim como no "Laranja Mecânica", também tem uma cena de estupro, que no "Cama de Gato" é forte e explícita. Um filme incômodo, que te deixa com um gosto amargo na boca. Com certeza, um dos filmes mais corajosos dos últimos tempos feitos no Brasil. E também um dos mais polêmicos. (Refletindo sobre a cena do estupro, e a necessidade (gratuidade) de ser tão explícita, pois dependendo do ponto de vista, pode ser considerada como um trunfo ou como um entrave. Afinal, pode evitar que jovens de, mais ou menos, 12 a 16 anos assistam; que é para quem o filme seria mais endereçado; para pararem e pensarem se vale a pena, quando ficarem um pouco mais velhos, ficarem naquela busca desenfreada de diversão a qualquer custo) Nota: 9,0

Se eu fosse você
Comédia cretina que lembra novela das 7 da Rede Globo e comédias ruins hollywoodianas, feita unicamente pra vender. Só fui assistir porque a garota com quem eu estava na ocasião queria porque queria assistir. Nota: 0

Madame Satã
A estética e a atuação do Lázaro Ramos estão muito boas, mas faltou um pouco mais de história e um roteiro melhor. Nota: 5

(os dois próximos comentários foram feitos a um tempo atrás...)

Deus e o Diabo em cima da Muralha"
Chato, muito chato! O que se esperar sobre um documentário sobre o Carandiru? Difícil sair coisa boa. E não saiu. Bom, só assisti esse filme porque estava na mesma sessão do "Sarcófago Macrabo", ambos médias metragens. E ainda tem coisas extremamente "úteis" como por exemplo, como eles faziam para não vir cheiro e ratos de dentro do ralo; ou calhas feitas de garrafas de refrigerante; e ainda com setinhas animadas demonstrando. Uma afronta à inteligência! Claro que tem o Dráuzio Varella, cuja maior qualidade é ser seco ao falar, sem sentimentalismo e sem frescura. E não é que o cineasta quis mostrar o Drauzio Varella se emocionando (uma das vezes foi quando o Carandiru foi implodido)? Tão falso quanto o que fizeram com o autor que o representou no filme Carandiru. Tinha um funcionário, mala pra cacete, que ficava falando seus grandes feitos em um tom heróico. (Engraçado que tem um cara do lado dele que tá puxando um ronco enquanto ele ficava lá se gabando). O João disse que a única coisa que ele gostou foi quando um funcionário começou a falar: "É, os bandidos me respeitam, e eu nunca precisei bater neles", aí ele olha pros lados, fica pensando um tempo, com aquele tom de voz que já dá pra imaginar e diz: "É, não vou mentir pra vocês. Eu já bati sim." Um dos únicos momentos de sinceridade do filme... hahahaha. Pensando bem, tem algumas coisas até que interessantes, como show da Rita Cadillac, saber que os travestis e os evangélicos ficavam no mesmo pavilhão, e a felicidade e empolgação do povo quando o Dráuzio Varela "populista" fala "quer usar cocaína, pode fumar, cheirar, fazer supositório, mas não injeta, senão vai pegar Aids". Mas aqueles trechos explicando o problema do ralo com setinhas, a emoção do Drauzio Varella e a hipocrisia constante irritam muito e passam a terrível idéia de perda de tempo. Nota: 1 (acho que esse um é só pela cena do Dráuzio Varela, à lá Maluf, falando "quer cheirar, cheira, mas não injeta" e pela sinceridade daquele picareta, mencionada acima)

"Sarcófago Macabro"
Impagável "telefilme" (como ele mesmo chama) do Ivan Cardoso, criador do gênero terrir, misturando terror com comédia. Como ele adora reciclar lixo, neste filme ele quis homenagear os seriados americanos, com todos os seus clichês, investigadores que ficam fumando e lendo arquivos, dublagens mal feitas, tomadas de câmera com carros chegando na Casa Branca. Tem um cara que fica narrando a história que parece o cara do "Acredite Se Quiser". A história é uma mistureba lascada. Hitler conheceu um cientista brasileiro que descubriu como fazer múmias como as do Egito, trouxe ele para o Brasil fantasiado de múmia, e Hitler estaria agora escondido na Argentina. Mas isso não corresponde nem a dez por cento da história, eu lembro que ele fala que o Hitler foi fazer não sei o que no Paraguai, que ele dançou samba no carnaval do Brasil. É tanta informação que o filme parece ter umas duas horas e meia, embora tenha pouco mais de 50 minutos. Mas todo o surrealismo e nonsense da história fazem a diferença, e a narração parece aquelas narrações mirabolantes utilizadas no Pânico, com direito à entonação própria para a crase "a..aaa..à América do Sul", e também a expressões estrambólicas como "maracutaia diabólica". Impagável, exagerado e hilariante! Nota: 7,5