Cada década tem certas características e estilos próprios, que lhe dão uma identidade.
Os anos 60 assistiram à uma grande popularização do rock’n’roll; porém como era ainda algo em estágio inicial, era algo meio inocente e ingênuo ainda, descobriram os excessos no final da década, quando a psicodelia foi descoberta, em meados de 1967.
Porém, nos anos 70, o exagero foi a principal característica, tudo que foi descoberto em matéria de abuso e psicodelia no final dos anos 60, aqui foi plenamente desenvolvido, incluindo muitas drogas e sexo livre.
Vindo como uma espécie de preço a se pagar, parece que a AIDS foi descoberta no começo dos anos 80, e parece que isso jogou um balde de água fria na bagunça dos anos 70, e os anos 80 foram dos mais caretas ideologicamente e esteticamente (não que as pessoas fossem caretas em matéria de restrição de uso de drogas, os yuppies cheiravam muita cocaína), com bandas de rock gótico ou pós punk inglês, onde o tédio e a tristeza dominam, juntamente com um instrumental cheio de sintetizadores e baterias eletrônicas, que é algo bastante broxante na maioria das vezes.
Os anos 90 parece que vieram como uma tentativa de retomada do som de guitarras e bateria de verdade dos anos 70, só que impregnados pelo niilismo de bandas como o Nirvana. O rock alternativo em geral tentou também fazer meio que uma volta aos anos 70, ou então aos anos 60, principalmente o indie rock mais inofensivo.
Pensei em escrever este lance sobre as décadas porque comecei a reparar que quase tudo que eu ouço são sons da década de 70. Como presto muita atenção em timbres, tenho uma tendência a não gostar de quase nada dos anos 80, porque se perdeu aquele som de guitarras, baixo e baterias orgânicos dos anos 70.
Talvez o maior vilão dos anos 80 para a música tenha sido a pasteurização do som. Talvez no leite seja bom, mas para a música, tirou quase que todo o gosto. Até artistas que tinham discos com timbres muito bons nos anos 70, nos anos 80 deram uma piorada. Tudo em nome da modernidade. Só que neste caso, a modernidade geralmente foi para mudar as coisas para pior. Até hoje eu me pergunto: para que usar tanta bateria eletrônica, se a bateria acústica tem talvez mil vezes mais dinâmica de som? Para que deixar o baixo tão sem graça, depois dos grooves alucinantes dos funks de James Brown? Por que esse ataque tão forte à psicodelia e às músicas longas? Seria pela substituição do LSD pela cocaína?
Apesar do Jimi Hendrix ser dos anos 60, seu estilo é totalmente anos 70, uma mistura explosiva de rock, funk, blues e psicodelia.
Alguns dos principais estilos dos anos 70 que eu gosto muito de ouvir:
- Brega: o mais legal do brega está, indiscutivelmente, nos anos 70. Roberto Carlos fazia músicas românticas já nos anos 60, mas ainda eram muito inocentes, ele mesmo começou a pegar pesado na fossa nos anos 70. Os arranjos dos bregas dos 70 estão entre os mais geniais da história da música: baixo e bateria meio suíngados, com o baixo fazendo aquela linha bem característica do brega, guitarra com ótimos timbres, naipe de sopros e quarteto de cordas de verdade, e não strings de teclado. Era uma época no Brasil em que tudo tinha uma aura de cafajestagem, tanto nos filmes (pornô-chanchadas), no teatro e na literatura (Nelson Rodrigues, Jece Valadão), quanto nas roupas (estilo Augustinho da Grande Família), nas proibições e polêmicas (anticoncepcionais, divórcio), o crime passional de Lindomar Castilho. A lista de artistas que lançaram excelentes discos nesta época é grande: Bartô Galeno, Genival Santos, Odair José, Waldik Soriano, Agnaldo Timóteo, etc.
- Funk: essa foi a época de ouro do estupendo James Brown, talvez o som mais contagiante e cheio de energia do mundo; ele contava com músicos excelentes, e era praticamente impossível ficar parado com suas músicas. E tudo com instrumentos de verdade, onde o baixo e a bateria eram, quase que invarialmente, matadores. E aqui no Brasil tínhamos Tim Maia, que misturou funk da melhor qualidade com ritmos genuinamente brasileiros, e deixando tudo ótimo. E ainda, para contribuir com o clima esotérico e psicodélico da época, Tim entrou na seita da Cultura Racional, dos livros Universo em Desencanto. Além disso tinha: The Meters, Sly and The Family Stone, etc.
- Reggae e dub: tente achar, hoje em dia, algum disco que tenha os mesmos graves e sons de baixo tão legais quanto os de alguns discos clássicos do Lee Perry, “Super Ape” e “Roast Fish...”. Além disso, tinha o Bob Marley, Peter Tosh, Delroy Wilson. O clima dos discos gravados naquela época tinha todo um sabor especial, que a modernidade tirou. Talvez os discos de reggae e dub gravados nessa época estejam o mais próximo possível do que possa se chegar a tentar reproduzir em sons os efeitos da marijuana.
- Rock progressivo: muita gente fala, até com uma certa razão, da chatice de alguns discos de rock progressivo, que se perdiam em solos intermináveis, em idéias sem pé nem cabeça. Por outro lado, o rock progressivo proporcionava viagens que dificilmente outros estilos proporcionam, se você estivesse no clima, você iria até Marte ou Saturno e voltava. O King Crimson tinha um puta som legal de baixo, bateria e, melhor, mellotron, instrumento que infelizmente quase que deixou de ser usado hoje em dia, que traz todo um clima de melancolia. O Pink Floyd fazia longas suítes que beiravam a perfeição, como “Shine On You Crazy Diamond”, “Dogs”. Yes falava de duendes e de Atlântida. O clima esotérico deixava a coisa mais interessante ainda, com todas aquelas alegorias; lembra uma viagem a São Tomé das Letras, por exemplo. O agnosticismo e o niilismo podem ser mais difíceis de ser contestados, mas enquanto estes são insípidos, o clima esotérico do rock progressivo tem a ver com o perfume místico indiano, por exemplo. Hoje em dia, ou as pessoas tem vergonha de ser progressivo, ou estas coisas não chegam mais a nós.
- Hard Rock e Heavy Metal: foi nessa década que surgiram (ou pelo menos “floresceram”) as principais e mais influentes bandas de rock pesado de todos os tempos: Deep Purple, Black Sabbath e Led Zeppelin. Black Sabbath deu origem à todo heavy metal, com riffs lentos e sombrios; Deep Purple, com ritmo forte e psicodelia de discos como “Made In Japan”, por exemplo; Led Zeppelin criou alguns dos maiores clássicos de todos os tempos, misturou música oriental, em “Kashmir”, mexeu com magia negra. Uma banda que pouca gente conhece, mas é uma estupenda mistura da bateria do punk rock, riffs de heavy-metal e a psicodelia do rock-progressivo, é o Hawkwind, que soa mais ou menos como um Black Sabbath mais psicodélico ou como um Pink Floyd mais pesado, e foi a primeira banda do Lemmy do Motorhead, banda esta, inclusive, está entre as minhas favoritas; aquele disco “Ace Of Spades” é bom pra cacete.
- Punk rock: apesar do punk rock ter sepultado o rock progressivo, existiram muitas bandas legais de punk rock em seu início. Nada contra uma volta à simplicidade, o problema é que as viagens psicodélicas ficaram sendo alvo de muito preconceito. Outro grande problema do punk era que quase sempre queriam dar prioridade à política, deixando o som em segundo plano. Ainda bem que uma das principais bandas do punk, e uma das mais legais também, se preocupou em atualizar o som pop-rock dos anos 60, imprimindo mais simplicidade e mais peso: Ramones. Outra banda que gosto muito são os Dead Kennedy’s, que mostrou que o punk-rock não precisa ser burro e sempre igual, fazendo psicodelia de um modo mais simples e agressivo. Agora, o The Clash tinha sons legais, mas queria fazer muita política. O Sex Pistols criaram o lance da imagem punk, e apesar de serem acusados de fabricados, tem músicas que são verdadeiros clássicos da fúria, como “Anarchy in the UK”. Uma das coisas que mais admiro no Sonic Youth é que eles fizeram, entre outras coisas, uma mistura de punk e progressivo.
- Obscuros: Destroy All Monsters, uma banda que falarei com mais detalhes no futuro, foi uma das banda mais pioneiras e criativas no uso do noise e do experimentalismo no rock.
- No Wave: falei em outro post sobre esse que é um dos mais intensos, agressivos e enérgicos movimentos que já existiram no rock, unia punk rock com música experimental de vanguarda, de modo a gerar o som mais incômodo, irritante e agressivo possível. Dependendo do ponto de vista, pode ser uma espécie de transição da psicodelia ao niilismo, como no documentário “Kill Your Idols”, que mostra aquele colorido todo dos Rolling Stones em contraposição ao branco e preto do Suicide. Porém, se as bandas dos anos 80 tivessem pelo menos 10% da energia destas bandas, elas já teriam pelo menos o dobro de animação, pois aquele tédio todo do pós-punk e gótico, sinceramente não dá. Ainda bem que teve uma banda que deu uma seqüência boa a esta estética nos anos 80, apesar deles serem mais melódicos: Sonic Youth.
Como eu li num lugar, os anos 80 foram tão terríveis que até os Ramones fizeram disco ruim nesta década. Pode ouvir e comparar: discos dos anos 70 e 80 de Bartô Galeno, artistas de reggae, discos do Tim Maia, discos de progressivo, etc.
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